Saúde Mental e Desempenho Escolar: Por que a Avaliação Neuropsicológica é Essencial desde a Infância
Introdução
A relação entre saúde mental e desempenho escolar é um tema amplamente discutido na neuropsicologia, mas estudos longitudinais mostram que essa conexão é mais profunda e precoce do que muitos imaginam. Pesquisas recentes indicam que problemas emocionais e comportamentais que surgem ainda na pré-escola podem impactar significativamente o desempenho acadêmico ao longo da vida escolar e até no acesso ao ensino superior.
Neste artigo, vamos explorar as descobertas de um estudo científico de referência, entender como dificuldades emocionais e comportamentais afetam a trajetória escolar e mostrar por que a avaliação neuropsicológica é uma ferramenta essencial para a detecção precoce e intervenção eficaz.
Problemas emocionais e comportamentais: um alerta que começa cedo
O estudo longitudinal Mental health and academic performance: a study on selection and causation effects from childhood to early adulthood (Agnafors et al., 2020) acompanhou mais de 1.700 crianças da infância ao início da vida adulta.
Os pesquisadores analisaram dois tipos de problemas:
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Internalizantes: sintomas mais voltados para dentro, como ansiedade, tristeza, retraimento e baixa autoestima.
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Externalizantes: comportamentos mais visíveis, como impulsividade, agressividade, desobediência e dificuldades de controle.
Os resultados mostraram que crianças com esses problemas aos 3 anos já tinham maior probabilidade de apresentar baixo desempenho acadêmico aos 12 anos. Além disso, quando tais dificuldades persistiam na adolescência, aumentava o risco de não completar a educação obrigatória ou não conseguir vaga no ensino superior.
A direção da relação: seleção social x causação social
O estudo investigou duas hipóteses para explicar essa relação:
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Seleção social – problemas de saúde mental levam a pior desempenho escolar.
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Causação social – baixo desempenho escolar leva a problemas de saúde mental.
Os dados revelaram que, até os 20 anos, o impacto mais forte foi da saúde mental sobre o desempenho escolar, ou seja, crianças e adolescentes com dificuldades emocionais ou comportamentais tinham maior chance de apresentar baixo rendimento.
Isso não significa que o caminho inverso não exista — especialmente na vida adulta, dificuldades acadêmicas podem sim contribuir para quadros de depressão e ansiedade —, mas reforça que a intervenção precoce é chave para quebrar esse ciclo.
Impactos específicos na vida escolar
O estudo apontou que:
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Problemas externalizantes precoces (como conduta desafiadora e impulsividade) prejudicam especialmente a aprendizagem de idiomas, como o inglês.
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Problemas internalizantes (como ansiedade e retraimento) afetam o desempenho em áreas como matemática e leitura, mesmo sendo menos visíveis para professores e pais.
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Meninos apresentaram maior risco de baixo desempenho, especialmente em leitura e acesso ao ensino superior.
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Meninas mostraram maior probabilidade de desenvolver problemas internalizantes na vida adulta.
Esses dados mostram a importância de olhar não apenas para o rendimento escolar, mas também para o comportamento e o bem-estar emocional, pois os sinais de risco podem ser sutis.
O papel da avaliação neuropsicológica
A avaliação neuropsicológica é uma investigação detalhada que integra informações de entrevistas clínicas, questionários, testes padronizados e observações comportamentais para compreender como diferentes funções cognitivas, emocionais e comportamentais estão impactando a vida do indivíduo.
Quando aplicada em crianças e adolescentes com suspeita de dificuldades escolares ou sintomas emocionais, ela permite:
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Identificar precocemente problemas internalizantes e externalizantes.
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Mapear o perfil cognitivo (atenção, memória, funções executivas, linguagem, velocidade de processamento, etc.).
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Diferenciar dificuldades primárias (por exemplo, TDAH, dislexia) de problemas secundários a questões emocionais (como ansiedade escolar).
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Fornecer orientações personalizadas para professores e familiares.
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Acompanhar a evolução após intervenções.
Por que intervir cedo?
Detectar problemas emocionais e comportamentais cedo previne prejuízos cumulativos. Uma criança com dificuldades de autorregulação emocional ou baixa autoestima pode evitar desafios acadêmicos, receber feedbacks negativos constantes e, com o tempo, acreditar que "não é capaz" — criando um ciclo que reduz suas oportunidades acadêmicas e profissionais.
Além disso, a neurociência mostra que o cérebro infantil é mais plástico, ou seja, mais adaptável a mudanças. Intervenções psicológicas, pedagógicas e comportamentais aplicadas cedo têm maior impacto e podem alterar significativamente a trajetória escolar e emocional.
Fatores de risco que exigem atenção especial
Segundo a pesquisa, alguns fatores aumentam a probabilidade de prejuízos acadêmicos associados a problemas emocionais e comportamentais:
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Histórico familiar de transtornos mentais.
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Baixa escolaridade dos pais.
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Dificuldades precoces de linguagem ou atenção.
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Conflitos familiares frequentes.
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Isolamento social.
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Baixo engajamento escolar desde a educação infantil.
Para essas crianças, a avaliação neuropsicológica não é apenas recomendada — é estratégica para traçar um plano de prevenção e intervenção.
Conclusão e chamada para ação
O estudo de Agnafors et al. (2020) deixa claro: a saúde mental influencia diretamente o desempenho escolar, e essa influência começa muito cedo. Problemas emocionais e comportamentais identificados ainda na pré-escola já podem prejudicar a aprendizagem anos depois.
A avaliação neuropsicológica é a ponte entre a detecção precoce e a intervenção eficaz. Ao compreender as causas das dificuldades de cada criança ou adolescente, é possível criar estratégias de ensino, apoio emocional e acompanhamento clínico que favoreçam o desenvolvimento acadêmico e pessoal.
📌 Se você é pai, mãe ou educador e percebe sinais de desatenção, ansiedade, dificuldades de aprendizagem ou mudanças de comportamento em uma criança ou adolescente, procure um neuropsicólogo.
Uma avaliação bem conduzida pode mudar o rumo da vida escolar e prevenir consequências emocionais no futuro.
Referência
AGNAFORS, Sara; BARMARK, Mimmi; SYDSJÖ, Gunilla. Mental health and academic performance: a study on selection and causation effects from childhood to early adulthood. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, v. 56, p. 857–866, 2020. DOI: 10.1007/s00127-020-01934-5.